domingo, 10 de fevereiro de 2008

Mais um pra pensar.

A pauta esquecida da cultura
28/01/2008 Eduardo Carvalho

Da ideologia escancaradamente desfilada em megasucessos hollywoodianos às manobras da indústria fonográfica para a veiculação de músicas padronizadas ao status quo, do conteúdo geral abordado pela imprensa cultural às passarelas do São Paulo Fashion Week, o que se vê, em toda extensão do que se convencionou denominar rede de comunicação social, é a centralidade dos aspectos mercantis da cultura apropriada pela indústria. Ou seja, a indústria cultural ditando a pauta e comportamentos por imposição do consumo de bens eleitos e consagrados por todos os meios de comunicação disponíveis.

No bojo desta arquitetura de comunicação de massa voltada ao ideário neoliberal de submissão excludente ao mercado, forjou-se uma imprensa voltada a publicitar detalhadamente a agenda ligada aos movimentos desta indústria, seja pautada em seus espetáculos e lançamentos, seja orbitando-os em seus desdobramentos comportamentais, econômicos, turísticos e tais. Agravou-se a situação ao passo que tal imprensa também postulou ser, em si, produto cultural de consumo. Fechou-se um ciclo que sustenta um jornalismo todo voltado a alavancar as vendas de si mesmo e dos produtos dos quais se ocupa.

Tal jornalismo, predominante na grande imprensa nacional, busca legitimar-se, emprestando o prestígio do mundo acadêmico e confinando-o a cadernos especialmente herméticos. De resto, ocupa-se ainda com um suposto sentido ampliado de cultura que se remete a excrescências tais como o comportamento cotidiano de celebridades forjadas aos olhos da opinião pública, especulações opinativas sobre os rumos dos enredos das telenovelas, entrevistas desprovidas de qualquer propósito, quadros opinativos com supostos especialistas em banalidades etc.

A esta tendência, sempre houve resistência, ainda que quase inócua. As vertentes comprometidas com uma visão mais sistêmica da cultura esforçam-se, aqui e ali, em acalentar o debate sobre os mecanismos de incentivo e fomento da cultura, seus editais e concursos, sobre produção intelectual desprovida de imediato interesse econômico, sobre relações entre cultura e educação, sobre alguns aspectos comportamentais e econômicos da cultura e outras que tais, mesmo que reincidindo no tangenciamento de questões mercadológicas. Ainda não há, no cenário jornalístico nacional, um debate sistematizado que contemple a pauta esquecida do jornalismo cultural, trazendo-o à luz para que seja entendida em toda a sua extensão de abordagem para fazer cumprir o verdadeiro papel social dos meios de comunicação.

Num contexto globalizado, não se trata apenas de negligenciar a cobertura de temas locais, atinge também o fato de não acompanhar os movimentos mundiais que exploram a valorização da diversidade cultural e de culturas locais. Movimentos esses que resultaram na Convenção da Unesco sobre Proteção, Promoção e Diversidade das Expressões Culturais aprovada em 2005. Medida tomada pela defesa da produção cultural local, que vê suas expressões culturais retraídas pela invasão de produtos culturais estrangeiros, e tem conseqüência direta sobre a formulação de políticas culturais dos países signatários. Por que negligenciar temas que estão na pauta do dia do espectro cultural?

Na pauta esquecida, ficou o debate sobre o direito ao acesso à cultura, sobre o contínuo processo de construção de políticas públicas de cultura, sobre o potencial econômico e de desenvolvimento social que a cultura oferece se democratizada ou, ainda, a discussão a respeito da identidade nacional a partir do reconhecimento de sua diversidade, das culturas populares, dos mestres dos saberes populares, dos patrimônios imateriais, da identidade e busca de unidade latino-americana, da exclusão digital... e tantos outros temas de que, historicamente, o jornalismo cultural muito pouco tem se ocupado.

Neste cenário, surgiu o 100canais, um núcleo editorial de jornalismo cultural independente que se propõe a freqüentar com postura crítica este espectro preterido da pauta, transformando-o em um acúmulo de matérias e artigos oferecidos a toda a imprensa em regime de copyleft. Tal núcleo opera na produção do conteúdo editorial do Cultura e Mercado, veículo mantido pelo Instituto Pensarte, com o incentivo da Lei Rouanet, que obteve aprovação para este projeto no edital Cultura e Pensamento de 2007. O núcleo, por meio de articulação em rede (www.100canais.ning.br) mantém diversas parcerias com veículos independentes como Carta Maior, Le Monde Diplomatique Brasil, Revista Raiz, Cores Primárias, Almanaque Brasil, entre outros. Para eles, produz material exclusivo e ou divide conteúdos comuns, sempre tendo em vista a cultura como centro do debate e contemplando, transversalmente, os argumentos fundados nos incrementos educativos, econômicos, sociais, turísticos que oferece, invertendo a lógica predominante que mantém a cultura subordinada a tais temas.

Esta posição, à primeira vista combativa, na verdade, possui uma motivação propositiva, já que, para defender a maior exploração por parte da mídia da diversidade correspondente principalmente à produção cultural local, é necessário sinalizar quais as motivações que impulsionam a posição atual dos veículos de comunicação. Assim, a defesa da necessidade de inclusão de temas correspondente à realidade cultural se estabelece de forma mais sólida.

Busca-se, ao contemplar a pauta esquecida, sempre aproximações entre ações que se desenvolvam com a consciência social que incorpora referências simbólicas no processo de construção da cidadania e com os processos de exploração, uso e apropriação de códigos de diferentes meios e linguagens artísticas, tecnológicas e lúdicas nos processos educacionais, pretendendo, com isso, ampliar o acesso aos meios de formação, criação, difusão e fruição cultural por meio da ação de agentes culturais, arte-educadores, educadores de rua, artistas, professores e cidadãos que entendem a cultura no seu sentido mais amplo - como direito, comportamento e economia. Além, é claro, dos aspectos ligados à potencialização de energias sociais e econômicas para o desenvolvimento de uma cultura cooperativa, solidária e transformadora.

2 comentários:

Juu. disse...

www.culturaemercado.com.br


eu já me cadastrei. passem lá tb!

bjuus

Andrei Bessa disse...

é grande, e dá preguiça....

mas é muuuito bom, adorei esse artigo ....

vale a pena ler todinho!!

=D

 
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