Quem tem medo do escuro? - Depoimento de João Andrade Joca

A indagação que o Coletivo Cambada de Teatro nos coloca, com o título do seu espetáculo infantil, nos faz imaginar uma peça cheia de assombrações e sustos. Engana-se quem pensar assim. O que nos espanta são a destreza e a dinâmica corpórea com que os atores executam as marcações. Às vezes, parecem dois acrobatas palhaços crianças. É arriscado, engraçado e lúdico. Como numa brincadeira infantil, o espetáculo flui num ir vir ao mundo imaginário das personagens/crianças de maneira criativa e envolvente.

Os recursos de iluminação mostram o escuro através das sombras recriando espaços, formas e imagens. Elementos bem elaborados e explorados pela direção rigorosa e harmônica. Revelam ainda, uma precisão de significados e sentidos que nos transportam para lugares mundo afora num passe de mágica com toda verossimilhança. Os objetos cênicos, aparentemente cotidianos, são transfigurados pela imaginação das personagens tal qual fazíamos em nossas brincadeiras de outrora. Por isso é bonito acreditar que duas cadeiras podem se transformar num imenso castelo, e um simples avental num escudo de guerra, e daí para o guerreiro, basta um piscar de olhos.

As referências literárias que o texto nos revela é também um deleite para os adultos. Percebo aqui uma preciosidade educativa, pois se as crianças ainda não sabem exatamente do que tratam tais referências, já se anuncia a elas, de modo preliminar, conhecimentos que vão ganhar sentido quando de seu desenvolvimento cultural e intelectual. O texto propõe um diálogo curto e objetivo, como são os das crianças ao apreenderem as coisas da vida.

A mim, resta mencionar a imensa satisfação em perceber o empenho do Cambada em busca de uma poética cênica de estética lúdica, comprometida com uma ética de respeito à vida e valorização da arte.

João Andrade Joca
Arte educador/ ator / diretor cênico