quinta-feira, 9 de agosto de 2012

Crianças que se alimentam de luz (por Astier Basílio)



    Não é por acaso que em inglês o verbo “to play” e em francês “jouer”, ambos comportem dois significados: o de brincar e representar. É, essencialmente, na infância que tomamos contato inicial com a arte da representação por meio da brincadeira. Em Quem tem medo do escuro, do Coletivo Cambada, apresentado no teatro do Cuca Guevara, no 4º dia do Festival de Teatro de Fortaleza, vimos como é possível conectar, os dois significados, o de brincar e o de representar, numa só ação.

      Sem incorrer no discurso de defesa de um passado mítico, em que não deslocado de um olhar mais acurado, a encenação optou por fazer uma aposta na fantasia, no que há de lúcido nos jogos de brincadeira infantis. A ação se dá quando falta energia. Dois garotos têm de recorrer apenas à imaginação e largarem mão do vídeo game, para brincarem. A interpretação fica a cargo de Jonathan Pessoa e Walmick Campos que também assinam a dramaturgia ao lado do diretor, Andrei Bessa

       A opção por um cenário simples, que facilita a transformação de objetos de cena, como cadeiras, em castelos, se coadunou com a predominância, evidentemente, do cenário escuro, com algumas incidências de luz em ações específicas. A utilização das lanternas, para criação dos efeitos ilusórios e composição da brincadeira dos personagens, é uma ferramenta precisa, ajustada à poética do espetáculo.

      O que favorece o bom andamento da montagem é que a performance dos personagens se estabelece por meio do jogo teatral. A realidade apresentada no palco encontra muita acolhida na plateia, na sessão em que assisti houve uma grande participação e entusiasmo das crianças, devido ao fato de que o universo posto em cena e representado é muito próximo dos pequenos que estavam assistindo.

Um dos pontos altos da montagem ocorre quando as crianças brincam de ser Dom Quixote e Sancho Pancha, numa acertada referência metateatral que, de certa maneira, ilumina toda perspectiva da montagem. O personagem do romance de Cervantes transfigurava a realidade sob a perspectiva do sonho; os meninos, o tempo todo, estão fazendo isso, dando vazão ao instinto primordial da infância, que é sonhar.

Astier Basílio
09.08.12

*Convidado pelo VIII Festival de Teatro de Fortaleza.


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